As últimas fizeram-lhe passar o rosto por uma série de mudanças, cada uma delas denunciadora de uma paixão violenta.
Ao nome de Tomé da Póvoa, a ingénua e leal declaração de Jorge, os olhos do irritado fidalgo faiscaram e um rubor fugaz e intenso correu-lhe nas faces, sucedendo-lhe uma palidez profunda.
Quando o filho terminou de falar, foi ele quem, por sua vez, se ergueu na cabeceira da mesa.
A comoção que o dominava não lhe permitiu desde logo o uso da palavra.
Todos os olhares se desviaram para aquele velho pálido, vestido de negro severo e mudo, que, com as mãos apoiadas sobre a mesa e o olhar fulgurante, seguia com a vista por todos os lados os espectadores da cena.
Afinal com a voz trémula e meia abafada, mas que a pouco e pouco se foi animando, o velho fidalgo começou, dizendo:
- Meus senhores, quando há dias os convidei para virem a esta casa solenizar a honra que eu recebia da hospedagem da minha sobrinha, estava persuadido de que esta casa ainda era minha. Não sabia que, abusando da confiança que eu depositava nele, um filho meu, o mais velho, o primeiro representante, no futuro, do nome e das glórias da sua família, havia empenhado a um dos criados dela o solar em que nascera. Soube-o agora. Peço-lhes humildemente perdão de os haver, pela minha ignorância, sujeitado a esta baixeza. Desde este momento estamos todos aqui em situações iguais, todos somos hóspedes de Tomé da Herdade. Em outros tempos, nos festins e saraus das nossas casas, os criados subiam disfarçadamente as escadas, para virem das antecâmaras e corredores espreitar para as salas, fascinados pelo esplendor que nelas viam; permitia-se-lhes isso. Hoje, porém, senhores, se aqui nos demorássemos, vê-los-íamos subir com outro intento, para vigiar que nas expansões do nosso júbilo não deteriorássemos as alfaias, a mobília, a baixela e a casa, que já lhes pertencem.