a este homem, sorriam-me as esperanças de poder dizer um dia às cinzas dos nossos antepassados, que eu também respeito, que repousassem em paz na sepultura, pois não viriam estranhos disseminá-las; e à memória querida de minha mãe e de minha irmã que os que elas amaram não desertariam cobardemente dos lugares que lhes eram caros e que as viram morrer. Mas contra o generoso auxílio deste homem havia velhos preconceitos de família mais apaixonados do que justos; era-me pois impossível recorrer a ele abertamente. Entre as prevenções e a glória de minha casa não hesitei porém. A consciência dizia-me que não devia hesitar. Resolvi acolher o oferecimento leal, mas tive de ocultar na sombra da noite actos que não se envergonhariam da mais clara luz do dia. Quando precisava do conselho experiente desse homem, procurava-o de noite e clandestinamente. Os difamadores, que correm nas trevas à procura de alimento para a calúnia, surpreenderam-me. Medindo as acções dos outros pela sua capacidade moral, supõem-lhes sempre um motivo infame. O homem de quem lhes falei tem uma filha. No que há de mais puro e mais sensível nas famílias, é aí que a calúnia gosta de ferir. Essa pobre menina foi pois a vítima escolhida. Agora, se querem saber o nome do homem honrado, a quem devo experiência, crédito e capital, dir-lhes-ei que se chama Tomé da Póvoa, a filha é Berta, a afilhada de meu pai; os caluniadores são esses que propõem o brinde, lançando no cálice a peçonha da sua natureza de víbora; mas brinde que eu de novo secundo sem receio nem hesitação.
- E eu - exclamou a baronesa, imitando-o; mas por ninguém mais foi seguida, porque uma nova ocorrência veio absorver as atenções.
D. Luís que revelara a mais profunda estranheza desde o princípio da cena provocada pelo fidalgo do Cruzeiro, crescera em agitação à medida que as palavras de Jorge iam tendo para ele um sentido mais claro.