Tu sorris? Olha que é o que te digo. Eu conheço os achaques destes nobres. Os mais sérios e ajuizados são perdidos por umas coisas assim. Se em uma ocasião de crise tiverem um dito sentencioso, uma acção, um gesto dramático destes que se tornam proverbiais, ficam muito satisfeitos e resignam-se às consequências da crise. O certo é que as chaves lá ficaram.
- Tomé por certo lhas restitui.
- Pode ser, mas é pior. Teu pai sossegará sabendo que as chaves estão nas mãos de Tomé. Então que queres? É uma puerilidade que se deve respeitar. O acto em si, olhado à luz da actualidade, não tem o mínimo de valor. Bem sabemos. Mas visto como o tio Luís o vê, iluminado pelo crepúsculo dos bons tempos passados, é um desforço e uma acção fidalga, capaz de o desafrontar perante os séculos passados e futuros. Mas vamos ao que importa. Em toda esta história figura o nome de uma mulher. Ora é sabido que nos atribuem sempre as primeiras honras no travar e complicar da acção dos diferentes dramas e comédias da vida; por isso conquanto o papel de Berta se nos tenha apresentado até aqui como secundário, ninguém me tira da ideia de que ela é a figura principal da história. Que te parece, Jorge?
Jorge, evidentemente enleado pela reflexão da baronesa, respondeu:
- Bem vê que não é. A prima está já ao corrente de tudo, pode portanto julgar da parte da acção que cabe a essa rapariga.
- Estou ao corrente de tudo? Isso é que eu não sei. Maurício tem por ela uma grande paixão, ao que parece.
- Não creio - acudiu Jorge vivamente.
- Como se explica então que, sendo ele tão teu amigo, se irritasse por uma errada interpretação dos teus actos, a ponto de estar iminente uma acção trágica, de que nem quero lembrar-me?
- Ora essa! Então não conhece o génio de Maurício? - tornou Jorge, quase impaciente.