para mas entregar, como se eu fosse um miserável que tivesse sequer sonhado um dia em especular com a confiança que seu filho pôs em mim! As novidades correm depressa na aldeia e não falta gente para denegrir o carácter de um homem. Depois do passo que V. Ex.ª deu, o que se não terá dito? Que eu andava sugando os últimos restos de sangue da boa-fé e da pouca experiência do seu filho, mas que o fidalgo me desmascarou a tempo! E se disser isto, não sentirá V. Ex.ª remorsos por ter dado azo a uma calúnia? Fale-me francamente, fidalgo, aqui diante de mim e de Deus que nos ouve, em sua consciência e sob a sua palavra de honra, que sempre honrou, fale-me franco, Sr. D. Luís; em toda a minha vida, desde os tempos em que servi a sua casa até hoje, no meio dos meus trabalhos, das minhas felicidades e dos meus reveses, pratiquei já alguma acção que obrigue V. Ex.ª a desconfiar de mim? Fale-me franco, Sr. D. Luís. Hoje mesmo, agora, neste momento em que me vê e me escuta, crê na sua consciência, que está na presença de um miserável?
D. Luís respondeu sem hesitar e em tom grave e digno:
- Não, nunca o acusei, Tomé, e creio que é um homem trabalhador e honrado.
- Então para que há-de ter somente para mim essa má vontade? Para que me há-de desprezar como se eu fosse um vil? a mim, que o servi fielmente, enquanto o servi, que então ganhei e conservei até hoje à sua família um amor cá de dentro, como se ela me pertencesse, que chorei a sua pobre menina, aquele anjo que Deus lhe levou, como choraria morta uma filha minha. Para que há-de ter só para este homem, que apenas bens deseja à sua casa, esses desprezos e essas afrontas? para este homem, que tem uma filha que lhe chama padrinho? E não quer que eu me sinta? Pois julga que não há aqui dentro um coração? Ah! fidalgo, fidalgo, creia o que lhe digo, em cada um desses jornaleiros que passam o dia vergados a trabalhar nas propriedades de V.