Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 21: XXI Pág. 299 / 519

E afinal talvez que de nós dois não seja ele o mais louco. A loucura é inseparável do homem; umas vezes toma-lhe a cabeça e deixa-lhe em paz o coração, que nunca se empenha nos desvarios a que ela é arrastada; é o caso de Maurício; outras vezes há na cabeça a frieza da razão e ao coração desce a loucura para o perturbar com afectos; quer-me parecer que é o que sucede comigo.

O cavalo parou espontaneamente à porta da Casa Mourisca e arrancou Jorge à corrente de vagas cogitações em que lhe flutuava o espírito.

- Vamos, Jorge - dizia ele a si mesmo, ao desmontar -, já agora é necessário ser rapaz de juízo até ao fim. Tu não tens direito de condescender com a tua mocidade, homem. Ninguém te relevaria os ardores da juventude, porque todos te supõem o sangue de gelo.

E, serenando outra vez a fisionomia, até ali um pouco alterada sob a influência de encontrados pensamentos, entrou para a quinta em procura de Tomé, que o precedera aí. Quando, depois de algumas pesquisas, Jorge, guiado por o som de vozes e por um ruído de sachos e de enxadas, conseguiu avistar o fazendeiro, não pôde reter um sorriso de estranheza e de simpatia, que o espectáculo que via lhe provocava.

E tão grato efeito parecia produzir-lhe esse espectáculo, que, sem ter querido interrompê-lo com a sua presença, continuou por algum tempo observando-o.

Efectivamente, para quem soubesse a verdadeira significação dos actos em que Tomé estava empenhado naquele momento, não seria para estranhar o sorriso de Jorge, nem a sua expressão dúplice de simpatia e de espanto.

Tomé não havia meditado no plano para a vingança que jurara contra o fidalgo. Ansiava por principiar a pô-la em prática, e encetou-a sem método nem sistema. Intimou os criados para que o acompanhassem, sem que tivesse ainda pensado no que lhes mandaria fazer.





Os capítulos deste livro