- Em casa? E seria eu bem recebido lá?
- Já alguma vez meu pai deixaria de receber como merecem ser recebidos os filhos do Sr. D. Luís?
- Como merecem - aí é que está a dificuldade. E se a consciência me dissesse que eu não merecia esse bom acolhimento?
- Muito grandes deviam ser as suas culpas para que meu pai se esquecesse da amizade que lhes deve, a si e aos seus, Sr. Maurício. Creio bem que a consciência não lhe diz isso.
- Não, Berta. Eu julgo-me com imparcialidade. Sei o que há de repreensível no meu proceder inconsiderado; ainda que nada me pese na consciência enquanto às minhas intenções.
- É o essencial.
- Não o é para os outros. Por os actos me julgam, e esses às vezes condenam-me.
- Nem todos os seus actos hão-de ser maus. Os bons desfarão os efeitos dos outros - tornou-lhe Berta, sorrindo.
- Sucederá isso consigo, Berta? Não estarei ainda condenado no seu conceito?
- Se principio por ignorar as culpas de que é acusado!
Maurício calou-se por algum tempo, como concentrando alentos para mais difícil resolução, e rompeu depois com maior vivacidade:
- Pois bem; escute-me e julgue depois; condene ou absolva, conforme a consciência lho ditar. Não lhe vou fazer uma geral confissão da minha vida, apenas dos últimos tempos dela. As acções boas ou más, os actos irreflectidos a que me impele este temperamento estranho com que nasci, tenho-os ultimamente executado sob o influxo de uma paixão forte, irresistível, que nasceu e assoberbou rapidamente todo o meu coração, Berta, desde que a vi quando voltou de Lisboa. Com a franqueza própria do meu carácter, com a lealdade que lhe devo, Berta, confesso-lhe que a amo. Deve tê-lo percebido. Eu não sei dissimular. É este amor que me perturba, que me faz ser injusto, desconfiado, louco, que me arrasta a extremos, de onde não volto sem remorsos.