E estendeu para o fidalgo a carta que trouxera.
- O quê?! Que quer dizer?! Notícias dela? Então Gabriela?...
- Partiu esta madrugada quase sem dizer «Deus te salve» a ninguém. Esta gente de hoje sempre tem umas maneiras esquisitas...
- Partiu! Gabriela partiu! sem se despedir de mim?
- Então que quer V. Ex.ª? Costumes de agora. Tudo está mudado. Maçonarias. Mas aí tem V. Ex.ª uma carta, que ela deixou.
D. Luís pegou na carta meio trémulo e abriu-a.
Era concebida nestes termos:
«Perdoe-me, meu querido tio, a maneira súbita por que o deixo. Julguei preferível isto, porque me faltava o ânimo para despedidas que talvez o afligissem mais. Espero não prolongar por muito tempo a minha ausência. Seria conveniente que Maurício viesse enquanto estou em Lisboa. Escrevo-lhe neste sentido e confio em que V. Ex.ª lhe dará permissão para ele vir ter comigo. Peço-lhe que me espere nos Bacelos onde em breve conto vê-lo mais feliz e contente. Até lá tenho um pressentimento de que Deus há-de providenciar para que não sinta muito a falta que eu lhe possa fazer. Conceda-me sempre a sua amizade e creia-me.
Sua afectuosa e reconhecida sobrinha
Gabriela.»
O fidalgo leu e releu a carta em silêncio, suspirou e, voltando-se para o padre disse-lhe simplesmente:
- Tem a bondade de me deixar só por um pouco, Sr. frei Januário? - O padre saiu do quarto, encolhendo os ombros.
D. Luís tornou a ler a carta, carregando-se-lhe de mais sombria tristeza o semblante, e deixou-se cair desalentado nos travesseiros.
E ninguém lhe ouvia aquela manhã tocar a campainha a chamar um criado para que lhe prestasse qualquer serviço que o seu estado de saúde exigia, e se um ou outro, mais cuidadoso, espontaneamente se apresentava a receber-lhe as ordens, era despedido com rudeza, recaindo ele na espécie de sonolência em que depois da leitura da carta havia ficado.