D. Luís escutava-a comovido, e quase sempre corriam-lhe as lágrimas ao expirarem as vibrações das últimas notas.
Berta fez-lhe ouvir, uma por uma, todas as músicas que Beatriz tocava. Ressuscitou-lhe o passado. Sob tão profundas impressões quase se confundiam no espírito do ancião a imagem da filha que perdera com a da afectuosa rapariga, que tanto lhe amenizava a existência.
Foi cedendo à afável violência de Berta e apoiado no braço dela que trocou o leito pela poltrona ao lado da janela do quarto; que saiu depois do quarto para a varanda do terraço, e que finalmente desceu as escadas que do terraço conduziam à quinta, à sombra de cujas árvores se costumara a passar as melhores horas do dia.
Era aí que tinham lugar as leituras quotidianas, que já tão necessárias lhe eram. Berta interrompia-as apenas para lhe fazer escutar o cântico dos pássaros na espessura das árvores, ou para lhe ir colher uma ou outra flor, com que bizarramente enfeitava a lapela do casaco do fidalgo. A influência de Berta sobre ele era já por todos conhecida, o que valia à gentil rapariga os mais expressivos sinais de deferência de todos quantos a tratavam.
Frei Januário era o mais desconfiado, mas ainda assim não se mostrou de todo insensível às atenções que Berta lhe dispensava e que muito o lisonjeavam.
Berta era feliz naqueles dias.
Para a sua alma generosa era muito de júbilo a ideia de que alguém lhe devia a felicidade.
Ao sentir voltar a vida ao rosto de D. Luís e a serenidade ao seu espírito atribulado, quase esquecia, no enlevo em que esta observa-ção a arrebatava, a grandeza do sacríficio que pouco tempo antes realizara e a dolorosa violência com que esmagava ainda no coração o afecto mais vivaz que ]á nascera.
Era grata a D.