- Para esta gente a moralidade e a ventura de um país consiste em ter estradas e diligências, e acabou-se. Olhem lá se eles levantam sequer uma igreja? Isso sim! O dinheiro do clero sabem eles roubar! E que pena não terão por não deitarem abaixo os templos que por aí ainda há! Mas atrás do tempo tempo vem. Vontade não lhes falta.
Não sei se foi esta última frase que recordou ao padre que também a ele não faltava vontade… de comer. O certo é que, mudando de tom, acrescentou:
- Querem ver que o Bernardino se esqueceu hoje do jantar? Isto são quase duas horas, e eu não ouço tugir nem mugir na cozinha! Nada, aqui anda coisa. Com licença, eu vou ver e volto já.
E frei Januário saiu da sala para ir pela vigésima vez à cozinha, que ele suspeitava abandonada pela incúria do cozinheiro, estando pois a família toda ameaçada com a tremenda catástrofe de uma retardação do jantar.
D. Luís pegou de novo nas folhas e deixou-se ficar lendo até à volta do padre, que entrou indignado.
- Eu que dizia?! Posto à taramela com o hortelão, sem se lembrar do jantar! Olhem se eu lá não ia! Não que dizem que uma pessoa pode descansar nos criados. Há-de poder! São uma corja! E, V. Ex.ª não quer crer, aquele excomungado daquele hortelão há-de ser a ruína desta casa. Foi uma imprudência da parte do sr. D. Luís meter em casa um libertino daqueles, mação nos ossos e no sangue. Foi um passo muito errado… Aquilo é um péssimo exemplo para os outros. Sabe V. Ex.ª em que ele estava falando? Na cantiga do costume. No desembarque do Mindelo. Quando eu cheguei, ainda lhe ouvi dizer que eram sete mil e quinhentos bravos que vieram pôr fora da cidade os oitenta mil lobos que andavam lá, e coisas assim. E o cozinheiro a dar-lhe ouvidos, e o leitão a queimar-se, e a sopa a pegar-se no fundo da panela, que logo me cheirou a esturro.