Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 4: IV Pág. 46 / 519

Ex.ª. Com que fim faz aquele toleirão uma coisa dessas? Veja a parlapatice daquele homem. Não repara na posição falsa em que coloca a rapariga. Meteu-se-lhe talvez na cabeça que ainda a casava com algum fidalgo! Pode ser. Veja V. Ex.ª se ela serve para algum dos seus filhos.

D. Luís sorriu, encolhendo os ombros.

- Ora para que precisa a mulher de um lavrador, que é afinal o que ela tem de ser, das prendas e da educação que o pai lhe mandou dar? Não me dirá V. Ex.ª?

- Todos hoje têm aspirações a subir - reflectiu D. Luís com ironia. - A maré sobe.

- Eu bem sei o que é que dá a causa a estas tolerias. Tudo isto vem da barulhada que estes liberalões fizeram na sociedade. Tudo está remexido e ninguém se entende. O sapateiro que nos vem tomar medida de umas botas parece um visconde. Onde isso é bonito, segundo dizem, é em Lisboa. Hoje todos por lá têm excelência.

Nestes cediços comentários sobre o estado do século deixaram-se ficar os dois por muito tempo, desafogando assim a sua má vontade contra as instituições modernas. O padre Januário, porém, não perdia com isto a ideia do jantar, e de quando em quando voltava os olhos para o relógio, cujos lentos ponteiros não correspondiam nunca à impaciência dos seus desejos. Enfim deu a hora e frei Januário ergueu-se instintivamente para ir ver se o jantar estava servido.

Passado pouco tempo tocava a sineta, tão grata aos ouvidos do reverendo. Vibraram pelos desertos aposentos e extensos corredores da Casa Mourisca aqueles sons, que em felizes tempos punham em movimento uma numerosa e esplêndida corte, que os ventos da adversidade tinham dispersado.

D. Luís entrou na sala de jantar, onde com impaciência o aguardava já o capelão.

Aquela grande sala vazia, aquela extensa mesa, apenas servida com quatro talheres, falava tanto do esplendor passado e da decadência presente, que poucos lugares havia na casa que deixassem no fidalgo mais melancólicas impressões.





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