- Quem está aí? - perguntou o fidalgo, não vendo aparecer ninguém.
A esta pergunta a porta entreabriu-se e a figura de Ana do Vedor, ofegante pela carreira que trouxera de casa do Tomé até ali, desenhou-se no limiar.
- Sou eu; o fidalgo dá licença? - respondeu a Ana.
D. Luís teve um negro pressentimento assim que viu a figura da mãe de Clemente, o pretendido noivo de Berta.
Com mal disfarçado azedume disse-lhe:
- É você, Ana? Entre.
Ana entrou com o desembaraço com que entrava em toda a parte.
- Então como vai o fidalgo? Fraquinho, hem? Enfim, Sr. D. Luís, tudo se guarda para a velhice.
- É assim, é - disse secamente o fidalgo. - Então a que vem aqui, Ana?
Ana do Vedor percebeu a débil cordialidade com que estava sendo recebida e por isso respondeu menos afável:
- Primeiro que tudo, vim vê-lo, como era da minha obrigação, pois não me esqueço de que já comi do pão de sua casa. Há mais tempo teria vindo, se a minha vida me deixasse; mas sou eu só em casa, como V. Ex.ª sabe, a fazer o serviço, e a idade já me vai pesando. E agora por isso vem a pêlo dizer a outra coisa que me trouxe cá. Venho saber de V. Ex.ª quando é que pode dispensar a Berta para se fazer o casamento que está justo entre ela e o meu filho.
O rosto de D. Luís passou por diferentes cambiantes de cor, e mais do que uma paixão lhe desenhou sucessivamente no semblante em traços fugitivos o aspecto fisionómico.
- Então vem para a buscar? - perguntou ele com voz alterada.
- Não, senhor, não venho para a buscar, venho para saber de V. Ex.ª quando ela pode ir.
- Ela não é minha filha. Quando quiser, que vá.
- Mau! O fidalgo não quer entender-me.
- Eu o que não quero é ocupar-me desse casamento - replicou D. Luís mais agastado.