- Então acha o fidalgo que nisto de casamentos o coração também tem voto?
- Por certo.
- O coração duma rapariga e de um rapaz. Olhem que conselheiros!
- Um coração como o de Berta é um bom conselheiro; não se engana, nem engana.
- Até que te pilhei! - exclamou a Ana do Vedor, batendo as mãos, e esquecendo-se, no ímpeto da exclamação, de manter o mesmo tom e tratamento que até ali estivera usando com o fidalgo.
- Muito bem, pois saiba o fidalgo que para mim já não é novidade o não ter Berta inclinação para o meu filho, nem de tal casamento se fala já, porque o meu Clemente, por enquanto, não aceita mulheres que não entrem para casa dele com o coração. Isso já estava decidido. Mas eu o que quis foi ouvir o que ouvi ao fidalgo, porque quero ver agora como se há-de sair das talas em que se meteu. Porque, sabe por que a Bertazinha não gosta do meu Clemente? É porque já gostava de outro... E sabe V. Ex.ª quem é esse outro? Olhe que foi o coração de Berta que o escolheu, o tal coração que não se engana; esse outro é o filho de V. Ex.ª o Sr. Jorge. Ora aí tem; agora então veja se está por o que disse.
D. Luís ficou por muito tempo a olhar para a Ana do Vedor com a vista espantada e sem articular palavra.
- Jorge! - murmurou ele afinal e quase inaudivelmente
- Sim, senhor, Jorge. E que me diz V. Ex.ª a isto?
- Jorge, Berta...- repetia o velho assombrado com a revelação. - Mulher, quem lhe disse isso?
- Seu filho, entre outros.
- Jorge! Terei por acaso eu sido a vítima de uma intriga infame? - exclamou o fidalgo, trémulo de raiva. - Isto é de enlouquecer.
- Qual intriga nem meia intriga? Isto tudo foi a coisa mais inocente e natural do mundo inteiro. O rapaz gostou da pequena, a pequena gostou do rapaz, o costume desde o tempo de Adão e Eva, e ninguém soube disso senão agora.