Por isso te admiro, filha. Mas para que levavas também tão longe o sacrifício, indo casar-te com um homem que não amavas?
- Era um homem honrado, que me pedia para companheira da sua vida. O destino de uma mulher como eu é esse. É a nossa missão. Por que não havia de cumpri-la?
- Iludindo, porque não podias amar.
- Disse-o a Clemente. Não lhe prometi o que não podia dar-lhe.
- E ele aceitou?!
- Pediu tempo para pensar. Agora vejo que não...
Calaram-se por algum tempo. Berta, sem erguer os olhos, dobrava e desdobrava distraída o pequeno avental de seda. D. Luís observava-a com ar pensativo.
Foi ele quem renovou o diálogo.
- Custa-te muito o sacrifício que fazes, não é verdade?
- Para que hei-de dizer que não? Custa-me como quando ao acordar de sonhar um sonho agradável, me convenço de que foi um sonho tudo. Sabe porém o que me anima? É o pensar que mais me custaria se o sonho se realizasse.
- Porquê?
- Porque teria remorso de pagar dessa maneira o afecto que encontrei sempre nesta casa; porque teria vergonha de que pensassem que, da minha parte, esses afectos eram calculados e interesseiros. Nós também temos o nosso orgulho, Sr. D. Luís - acrescentou ela, sorrindo.
- E nobre que ele é - acudiu o fidalgo, cada vez mais fascinado.
Neste momento a porta abriu-se, e frei Januário meteu a cabeça pela abertura.
- Que é? - perguntou D. Luís irritado.
- É o Tomé da Póvoa... é o pai dessa menina que a procura.
- A mim! - disse Berta, levantando-se.
- Sim, menina - tornou o padre - e parece-me que procura a V. Ex.ª também.
- Pois que entre - respondeu D. Luís asperamente.
Passado momentos Tomé da Póvoa entrava para o quarto de D. Luís, com as maneiras respeitosas mas rasgadas que lhe eram peculiares.