Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 37: XXXVII Pág. 504 / 519

De repente acentuou-se no rosto do fidalgo uma expressão de energia e firmeza que a doença e a preocupação de espírito havia muito lhe tinham dissipado.

Curvando-se mais sobre o rosto de Berta, desviou com extrema delicadeza a madeixa que lhe caía sobre a fronte e murmurava como para si:

- Por que és tu que velas a meu lado? Que laços te prendem a mim? Por que dedicas a este velho a tua juventude?... E não se recompensa esta abnegação? Pagam-te sacrificando-te aos seus... preconceitos.

E continuava a contemplá-la em silêncio; depois voltava a murmurar:

- Beatriz, se fosse viva, chamar-te-ia irmã; havia de querer-te junto de si, no seu quarto. E eu... por que não hei-de chamar-te filha?

Não disse mais o velho, mas, curvando-se ainda mais, poisou na fronte da rapariga um beijo expressivo de paternal afecto.

Pela madrugada o doente mostrou-se algum tanto inquieto, a ponto de sobressaltar Berta, que o espiava com solicitude.

A interrogação que ela lhe dirigiu para saber a causa da agitação em que o via, D. Luís não respondeu logo; porém, momentos depois, olhou para a afilhada com uma expressão singular, pegou-lhe nas mãos, apertou-as com afecto, e disse-lhe com manifesto comoção:

- Berta, vai chamar Jorge. Que me venha falar. Preciso de conversar com ele quanto antes.

Berta saiu do quarto com os olhos arrasados de água.

Aquelas palavras tinham para ela uma dolorosa significação.

D. Luís, que mandava chamar o filho mais velho, o directo sucessor do seu nome e da sua casa, era porque um daqueles pressentimentos, que nos advertem da proximidade da nossa hora final indicava-lhe ter chegado a ocasião de despedir-se do filho e de dar-lhe os derradeiros conselhos de pai.

Todos nos Bacelos formaram a mesma conjectura.





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