O senhor da Casa Mourisca não viu também com bons olhos aquele passo de Tomé, cujo engrandecimento havia já muito tempo que principiara a incomodá-lo.
Berta, que fora até então a companheira de brinquedos dos meninos da Casa Mourisca e de Beatriz, a pálida e meiga criança que temos visto ainda viver na memória de quantos a amaram, deixou a aldeia uma madrugada com lágrimas e soluços.
Desde então conservou-se em Lisboa, onde só o pai a foi ver, por duas vezes, deixando-a inteiramente entregue aos cuidados da senhora, que lhe ganhara afeição, cada vez mais funda.
Berta crescera; as graças infantis foram a pouco e pouco perdendo nela aquelas iluminadas cores com que nos alegram e diluindo-se nas misteriosas sombras de uma juventude de mulher, sombras que não empanam a beleza, antes lhe dão mais e mais sedutor relevo. Berta não era já a criança que saíra da aldeia, sem um pensamento que retivesse, nem um sorriso que encobrisse, sem um olhar que se desviasse pensativo ou tímido, sem uma dor que se não manifestasse em lágrimas; era já a virgem de dezoito anos, sob a influência da vida nascente do coração, e portanto sujeita a todas as subtis impressões, dominada por todos os impulsos contraditórios e por todas as indefinidas aspirações daquela quadra mágica.
A vida das cidades, sem lhe dar a mórbida languidez que tão sem razão anda confundida com a elegância, apurara-lhe a delicadeza feminina, desenvolvera-lhe a sensibilidade para os afectos e a inteligência para os prazeres do espírito.
Mas o que em Berta sobretudo havia mais digno de referir-se aqui, por ser menos comum fenómeno do que esses que descrevemos, era a permanência de uma razão clara no meio dos atractivos e seduções com que a fantasia, tantas vezes, em circunstâncias tais, a ofusca.