Era o caso de poder dizer-se em estilo de conceitos: «Queria-lhe mal por lhe querer bem.» Receava-se dela, e fazia o possível para desvanecer a impressão por que se sentia dominado.
Tais são as indicações que julgamos dever dar a respeito de Berta, antes de narrarmos o efeito da carta que dela se recebeu na Herdade.
Esta não era uma simples carta de cumprimentos ou daquelas em que a filha se estendia em longas conversas com o pai, contando-lhe por miúdo os singelos episódios da sua vida de rapariga. Desta vez havia nela uma nova importante e que ia modificar o plano de vida da família.
A senhora em casa de quem Berta se educava havia repentinamente falecido.
Berta escrevia assim ao pai:
«Meu querido pai.
Escrevo-lhe a chorar e com o coração a partir-se-me de dor. A minha madrinha faleceu esta madrugada. Ainda ontem à noite esteve a conversar e a rir connosco, e tínhamos até combinado para hoje um passeio a Sintra! De madrugada foram acordar-me a toda a pressa para ir ter com a senhora, que estava mal. Cheguei para a ver expirar; custou-lhe já a dar-me um beijo e a despedir-se de mim. Imagine como estou! Nós todas ficámos como loucas! Ainda isto me parece um sonho! Veja que malfadada senhora! Agora, que principiava outra vez a viver mais feliz!… Peço-lhe que me diga o que devo fazer neste caso. Eu sei que o pai já uma vez falou em mandar-me para outro colégio, se por acaso me faltasse a minha madrinha. Deixe-me, porém, lembrar-lhe algumas coisas, e depois decida. Eu não quero dizer que tenha uma educação perfeita; mas, como não conto, nem desejo, viver nas salas daqui, posso bem passar sem esses apuros, que para isso me seriam precisos. Muito tem já o pai feito por mim; é preciso agora olhar por meus irmãos, e alguns estão em idade em que ainda podem agradecer-me alguns serviços que eu aí consiga fazer-lhes.