revelado com tanta sobriedade de frases sentimentais que são o maior achaque nas cartas de mulher; transpareciam tão distintamente os suaves e generosos instintos da sua alma feminina, que o espírito de Jorge simpatizou naturalmente com aquele outro espírito que, nessas ligeiras manifestações, se revelava tão irmão seu.
A pouco e pouco uma destas simpatias que às vezes se originam no coração, lentas, brandas, ignoradas, sem a agudeza das paixões despertadas por um ente de quem apenas se conhece um nome ou, quando muito, uma feição, um acto da vida, um pensamento, insinuou-se no coração de Jorge. Era um sentimento que não o inquietava ao princípio nem lhe perturbava o espírito, por isso não se acautelou dele; deixou-se repassar daquele grato influxo, sem se lembrar sequer de lhe estudar a natureza, e muito menos de suspeitar-lhe os perigos.
Um dia mostrou-lhe Tomé o retrato da filha. Jorge encontrou nele as feições que conhecera infantis, animadas agora pela vida da adolescência. Pareceu-lhe não haver contradição entre aquela fisionomia e o carácter que supusera a Berta; e a imagem da rapariga começou a aparecer-lhe com insistência nos seus devaneios de rapaz.
Jorge então assustou-se. Sentia pela primeira vez alguma coisa em si de que a razão lhe não dava boas contas. Pareceu-lhe ser aquilo uma fraqueza indigna do seu carácter sério, e resolveu pois vencê-la.
Desde esse momento principiou uma estranha luta naquela alma, sem que aparecessem fora vestígios que a denunciassem. Sentia um inexprimível prazer ao ouvir falar de Berta; e por isso mesmo fugia aos ensejos de experimentá-lo. Esta contenção forçada acabou por produzir no espírito de Jorge um efeito singular; foi um grau de irritação, revelado em uma espécie de hostilidade para com Berta, cuja imagem viera perturbar-lhe a limpidez de coração que tivera até ali, e fazer-lhe pela primeira vez vacilar a razão, que todos nele admiravam.