a pequena aldeã com quem brincara em criança no pátio e na quinta da Casa Mourisca, a companheira de sua irmã Beatriz, a afilhada de seu pai, e a pequenina dama a quem dedicava já então os seus galanteios infantis; era ela, mas com todas as surpreendentes e rápidas transformações que opera o sangue da juventude na formosura da criança, com todo o realce e prestígio que dá à beleza a educação.
Berta era uma rapariga de olhos negros e de boca graciosa, onde flutuava um sorriso expressivo, ao mesmo tempo, de alegria e de bondade. Havia nos movimentos, nos olhares e nos modos dela um misto da candura de uma criança e dos delicados instintos da mulher; reconhecia-se a falta de dissimulação que é própria dos caracteres generosos, e ao mesmo tempo uma natural dignidade que impõe respeito aos menos reverentes.
Maurício sentia-se maravilhado diante da filha de Tomé.
- Berta! - exclamou ele, sem disfarçar a sua surpresa, nem desviar os olhos da rapariga, que o saudara corando. - É certo que é Berta! Conheço ainda o sorriso, que é o mesmo de outros tempos. Mas que diferença em tudo o mais!
Berta desviou os olhos sob a insistência e expressão dos de Maurício, e, dominando a custo a comoção, conseguiu dizer:
- Fiz-me mais velha, não é verdade?
- Não, Berta fez-se um anjo - acudiu Maurício.
- Isso é que não, - atalhou Tomé - anjo era dantes. Hoje já não repicariam os sinos se ela morresse.
- A terra teria bem razão para lamentar-se. Ao céu é que competiriam as festas - atalhou, galanteando, Maurício.
- Também eu encontro mudança em si, Sr. Maurício - observou Berta. - Quando o deixei não dizia ainda dessas coisas.
E a mesma íntima turbação tirava-lhe ainda a firmeza à voz e ao olhar.
- Porque não as sentia, Berta - redarguiu Maurício.