Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 10 / 519

Depois veio a doença e a morte da esposa, daquela que lhe tinha sido tão fiel amiga, que, para lhe poupar desgostos, até escondia as lágrimas que ele lhe fazia verter; veio essa nova dor atribular-lhe ainda mais a existência. E ainda não haviam acabado as provações! No fundo do cálice estavam ainda depositadas as gotas mais amargas.

D. Luís tinha por esses tempos uma filha, mimoso legado da esposa, cuja missão consoladora continuava no mundo. Queria-lhe muito o pai! Se não havia de querer! O coração árido daquele velho e o tenro coração daquela criança procuravam-se, como para um pelo outro se completarem.

O velho fidalgo, concentrado e quase ríspido para com os outros filhos, se alguma vez teve nos lábios sorrisos desanuviados e sinceros foi na presença da sua Beatriz. Aquele desgraçado coração, vazio de afectos, queimado de ódios e de paixões esterilizadoras, sentia um grato refrigério em deixar-se penetrar do suave influxo das carícias da criança, que beijava as faces rugosas do pai e lhe brincava com os cabelos prateados; e muitas vezes, nesses momentos, lágrimas de desafogo dissipavam a cerração que ia na alma daquele homem, que com tanta força sabia odiar.

E não era só o pai que experimentava essa influência.

Jorge, que de pequeno fora pensativo e sério, sentia-se tomar por a bondade e ternura de Beatriz. Criança ainda, tinha ela, quando a sós com o irmão, um olhar penetrante e um gesto grave como o dele, um espírito para comunicar à vontade com o seu. Ela parecia compreender o alcance do auxílio que poderia receber um dia daquele rapaz sisudo que a fitava, e ele sentia-se engrandecer aos próprios olhos, lembrando-se de que seria sua missão na vida proteger aquele anjo.

Maurício, génio mais impetuoso e impaciente, dobrava também a vontade a um aceno da frágil e delicada criança, em quem um estouvamento seu desafiava lágrimas.





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