Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 10: X Pág. 122 / 519

- Então? Não tem uma linda voz a rapariga? - continuava Tomé, olhando para Jorge, que não respondeu.

A voz continuou:

Dorme, dorme, meu menino,

Que é alegre o sono teu

E enquanto na terra dormes

Folgam os anjos do céu.

Jorge escutava com mais prazer do que a si mesmo queria confessar o canto que lhe chegava aos ouvidos naquela monótona e melancólica melopeia de todas as músicas destinadas a acalentar o sono das crianças.

Tomé, esse estava verdadeiramente extasiado. A voz da filha parecia encontrar um caminho direito para o coração daquele pai extremoso, e comovê-lo quase a ponto de lhe enevoar os olhos com lágrimas consoladoras.

Quando expiraram as últimas notas do canto, Jorge levantou-se.

Era tarde já e mais que tempo de dar por concluída a conferência; mas neste movimento de Jorge actuara uma ou outra ideia.

Ele próprio estranhava o que ia na sua alma naquele momento. Revoltava-se contra si mesmo porque se sentia fraco perante os artifícios de uma mulher, contra a qual devia estar precavido; Jorge supunha-se persuadido de que Berta aproveitara de propósito o ensejo de fazer-se ouvir e de mostrar os encantos da sua voz agradável e sonora; táctica vaidosa que muito escandalizava o carácter sisudo do rapaz. Mas o pior era dizer-lhe a consciência que, mau grado seu, a táctica tivera efeito. A prevenção hostil de que à força queria armar-se não era talismã bastante forte para o livrar de encantamento.

Isto principalmente o indignava, sem a si próprio o confessar. Sentia-se sob o influxo de uma magia que pensava funesta, mas, como sucede quando em sonhos procuramos fugir a um perigo que nos persegue, anulava-se o esforço que fazia para quebrá-lo e a seu pesar permanecia no perigo.

Desconhecia-se, sentia uma turbação indefinível, parecia-lhe que o ar livre lhe seria salutar.





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