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Esta carta, escrita à vontade e no tom familiar de uma mulher caprichosa, costumada a não se constranger com pessoa alguma, e a ver admitirem-lhe, como naturais, todos os caprichos, não podia ser menos acomodada ao génio sisudo e respeitador de etiquetas que era uma das pronunciadas feições do velho fidalgo.
A maneira por que a sobrinha lhe escrevia, a sem-cerimónia com que parecia rir-se dos seus delicados escrúpulos políticos, era tão subversiva da ordem estabelecida e respeitada nos usos tradicionais da família, que D. Luís escandalizou-se.
Jorge compreendeu, à primeira leitura, qual o efeito que esta carta deveria ter produzido no ânimo do pai, mas procurou dissimular.
- Uma vez que ela vem, esperemos - disse em tom indiferente. - De viva voz trata-se melhor destes negócios.
- Que hei-de eu tratar com uma doida destas? Tomara que ela me deixasse sossegado!
- São maneiras de Gabriela, mas nem por isso deixará de olhar com serenidade por este assunto.
- São maneiras?... Tudo tem limites. Isto não é carta que uma rapariga escreva a um velho, que é seu tio.
E D. Luís, ao dizer isto, pegava na carta por uma ponta e arremessava-a sobre a mesa, como se fora um objecto que lhe inspirasse repulsão.
- Costumes do tempo - aventurou timidamente Jorge.
- Bons costumes! Pois, embora ela o diga zombando, não transijo com eles, não, senhora; nem filho meu, enquanto quiser que eu por filho o tenha, há-de transigir também.
- Esperemos, até que ela venha.
- Já sei de que nada servirá a conferência. Essa porta podes considerá-la fechada.
Jorge, depois de mais algumas tentativas para acalmar a irritação paterna, voltou para o quarto, intimamente satisfeito com a carta da baronesa, em cujo auxílio confiava para vencer as relutâncias do velho.