Era noite de luar, tépida noite de Outono, lânguida e serena, como podem desejar os mais exaltados devaneadores. Havia uma limpidez no céu, uma quietação nos bosques tão completa, que parecia que a natureza toda parara em suspensão a contemplar o solene progresso da Lua pelo firmamento, que inundava de luz.
Era uma destas noites em que só a custo se troca o ar livre dos campos pelo ar confinado do gabinete, em que se hesita ao cerrar as janelas aos raios da Lua que invadem a sala, para os substituir pela luz vacilante da lâmpada que alumia as vigílias do estudo.
O próprio Jorge, habituado como estava ao trabalho, cedeu às seduções daquela noite e deixou-se ficar sob as árvores da quinta. O peito precisava de ar limpo que o desoprimisse.
Os carvalhos e castanheiros seculares temperavam a claridade da Lua, coando-a através da folhagem, de que o Inverno os não despira ainda. Uma luz misteriosamente discreta penetrava no bosque; raros sons interrompiam aquele silêncio, além do rumor longínquo e monótono das fontes e cascatas.
O pensamento de Jorge perdera a placidez habitual; como que despertavam nele os instintos de juventude, povoando-lhe de visões o campo da fantasia, de ordinário ocupado por mais severas imagens.
Os seus cálculos, os seus projectos de futuro, os problemas de administração, que lhe absorviam o pensamento, cederam agora o lugar a ideias menos positivas, a meditações vagas, a quase devaneios em que raras vezes a sua razão se deixava arrebatar. Primeiro dominou-o a magia do passado: evocou do silêncio dos túmulos aqueles dos seus antepassados que trouxeram com todo o esplendor o nome que hoje era seu, os que mais alto elevaram o enegrecido brasão que honrava ainda a frontaria daquele solar em ruínas.