Depois, saudades muito pungentes, dessas que ainda trazem vestígios de lágrimas, como restos da sua natureza de dor, de que só o tempo as vai privando, ocuparam-lhe o coração e o pensamento. A sombra da pálida e estremecida irmã, que a morte arrebatara quando mais seduzia com sorrisos e afagos, a sombra de Beatriz, que era a mais querida e mais dolorosa recordação daqueles rapazes e daquele velho, parecia surgir ao misterioso apelo da noite, e vaguear, como uma aparição fantástica, por entre essas árvores que menina a viram e menina a protegeram do sol abrasador dos campos.
Jorge ainda não esgotara as lágrimas consagradas à memória da irmã. Tinha-as nos olhos quando a tinha no pensamento a ela.
Pouco e pouco, por uma insensível transição, a imagem de Berta substituiu a de Beatriz.
Diferentes eram as impressões que esta nova imagem lhe produzia, diferentes e indecifráveis quase.
Já vimos que antagonismo de sentimentos havia no coração de Jorge em relação à filha de Tomé da Póvoa.
Como lutavam a involuntária atracção que por ela sentia com a reflectida resistência que lhe opunha. Lidava por levantar obstáculos ao progresso do violento afecto que lhe ia tomando o coração, e a seu pesar via que esses obstáculos eram inúteis. Inventava defeitos que lhe desprestigiassem o carácter de Berta, acusava-a de vícios de educação que ainda lhe não reconhecera, fingia-se convencido da leviandade daquela pobre rapariga, e com toda a austeridade do seu carácter sisudo lavrara contra ela a sentença condenatória; mas no fim de tudo isto achava-se cada vez mais subjugado; revoltava-se-lhe debalde a consciência contra esta fraqueza, em vão revelava com maneiras rudes e quase hostis para com Berta este desgosto de si mesmo que estava experimentando.