Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 15: XV Pág. 194 / 519

Tive até hoje candura bastante para tomar a sério o teu carácter de prudência e a tua lealdade, mas, desde que vejo a hipocrisia que havia em tudo isso, sou eu que domino e que tenho o direito de interrogar e de censurar.

- Enlouqueceste, Maurício? - perguntou Jorge em tom quase de piedade, que mais irritou o irmão.

- Que indigna e ridícula comédia andas tu a representar neste mundo?- tornou este quase alucinado. - Na tua idade tens já coragem para tanto! Armares-te de severidade pedante contra as minhas loucuras de rapaz, loucuras leais afinal de contas e a descoberto, loucuras, mas não vilezas, e ocultas na sombra actos que a mim, ao estouvado e perdido, fariam corar de vergonha. Oh! Não te invejo o talento de comediante, Jorge.

- Maurício, repara que não estás em ti.

- Sim, eu tenho esse defeito. Não sei medir as minhas palavras, não sei encobrir, nem disfarçar; tudo o que penso me vem aos lábios. Ontem dizia que te estimava e respeitava, e era verdade; hoje digo-te que te desprezo e te lastimo, e é verdade também. Cuidas que não me recordo das tuas palavras e dos teus conselhos há poucos dias? Invocaste o nome sagrado de nossa mãe, a memória venerada de Beatriz, para quê? Para exigires de mim uma promessa, dizias tu, que era a de respeitar a paz de coração de uma rapariga que uma abençoara e a quem a outra quisera como a irmã; mas sob a capa dessa promessa ia a de te deixar em paz no gozo das tuas aventuras nocturnas e dos teus amores traiçoeiros e escandalosos.

- Silêncio! - exclamou Jorge com um tom intimativo que cortou em meio as palavras do irmão. - Podia perdoar-te todos os insultos feitos ao meu carácter; não posso consentir que calunies quem não está aqui para se defender, e quem tinha direito a esperar encontrar em ti um defensor e não um caluniador.





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