Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 20: XX Pág. 267 / 519

- Ih! Jesus, que homem este! Não faças as coisas no ar, Tomé.

- Qual no ar; prometi que hei-de trabalhar para pôr aquela casa em cima, só para fazer uma pirraça ao fidalgo; e ainda que tenha de hipotecar todos os meus bens e de arriscar o futuro dos meus filhos, hei-de fazê-lo.

- Mas já falaste com o Sr. Jorge a esse respeito?

- Não, nem preciso.

- Pois devias falar. É um rapaz ajuizado e que põe as coisas no seu lugar.

- O que ele me vinha dizer sei eu, e por isso é que não desejo falar-lhe, porque não quero que me tire isto da cabeça, nem quero brigar com ele. Mas os rapazes já estão à minha espera. Vamos lá. Dá cá as chaves, ouviste?

- Tomé, Tomé! Olha lá o que fazes! Eu não sei...

- Pois por isso; se não sabes, deixa-me cá. Basta-me a chave grande. Eu hoje não passo da quinta.

E pegando na chave, que a mulher lhe deu a medo, o lavrador saiu à frente dos três criados, em direcção à Casa Mourisca.

Luísa, a cujo bom senso não agradava a resolução do marido, veio desabafar com a filha.

O que sobretudo levava a mal a bondosa Luísa era o não haver o marido consultado Jorge. Para Luísa, Jorge era um conselheiro infalível. A simpatia que sempre lhe inspirava aquela criança, «que se não metia com ninguém», como a boa mulher tantas vezes dizia, crescera e misturara-se à admiração, ao respeito e à absoluta confiança, assim que o viu, adolescente, tomar aos ombros o pesado encargo da direcção e reforma da sua casa, e que ouviu os louvores em que o entusiasmo de Tomé se desafogava, falando dele, Luísa afez-se a supô-lo um ente privilegiado, incapaz de errar, com faculdades criadas para levar ao fim qualquer empresa e realizar todas as suas tenções, por menos exequíveis que parecessem.

O dogma da infalibilidade de Jorge fora por ela definido.





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