Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 20: XX Pág. 270 / 519

As suas qualidades morais atraíram enfim a atenção de Berta, e muita vez, enquanto conversava com Tomé, absorvido em uns vastos e generosos projectos, ou quando seguia pensativo pelos irregulares caminhos dos campos, era ele, sem o suspeitar, o objecto da contemplação de Berta, em quem só então parecia terem feito impressão a nobreza e inteligência que nos gestos, na fisionomia e nas palavras daquele adolescente se revelavam.

A cena do jantar na Casa Mourisca aumentou a intensidade destas nascentes impressões. Nem podia deixar de ser assim.

É natural supor que a imagem de Jorge, desse rapaz corajoso e leal que, perante uma desdenhosa companhia do fidalgo, se erguera a reivindicar a boa fama da família plebeia, perfidamente caluniada por um deles, ocupasse o pensamento da que mais sofrera da calúnia, e ofuscasse a do outro, leviano e estouvado, que concorrera para levantar o aleive.

Poderia deixar de insinuar-se em um coração aberto a sentimentos generosos, como era o de Berta, esse rapaz de vinte anos, diante de quem os velhos se descobriam, cheios de respeito pelas suas nobres qualidades de alma e pela superioridade da sua inteligência?

Uma outra causa influíra, porém, além destas, no espírito de Berta e no mesmo sentido que elas; ainda que à primeira vista se pudesse julgar que diversa deveria ter sido a sua acção.

Esta causa fora a frieza, a quase hostilidade delicada com que Jorge a tratava. Berta não se iludia. Via bem claro que Jorge lhe falava sempre constrangido, e como se tivesse pressa de interromper um diálogo que o impacientava. Às vezes havia nas palavras, que dele obtinha, um leve tom de ironia, que ela não sabia a que atribuísse. Este proceder de Jorge deu que pensar a Berta. Formando um conceito elevado do são juízo e da seriedade do jovem amigo de seu pai, convencia-se de que aquelas maneiras frias com que era tratada por ele, não podiam deixar de ter um fundamento.





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