Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 20: XX Pág. 277 / 519

É medo de me trair? Mais me traio ainda por esta forma. É despeito por as atenções que a vejo dar a outro?... a meu irmão?! Mas é uma vileza da minha parte... A meu irmão?! É verdade que se ele amasse deveras... mas eu que o conheço... É uma loucura afinal, é o que é. E fiem-se no juízo de um rapaz de vinte anos! Aí estou eu tão doido como qualquer desses estouvados. E o mais é que a mim é que se não perdoaria a loucura. A loucura em um rapaz de juízo é um delito imperdoável. Se soubessem por aí... se descobrissem... «E quem devia dizer! Ora vejam, um rapaz que parecia tão ajuizado!» É como eles principiam logo. Ai, tem pesadas responsabilidades o que na minha idade mereceu que lhe chamassem «um rapaz de juízo». É preciso a cada momento sufocar a revolta do temperamento e da idade, lutar incessantemente com a imaginação... E hei-de lutar! É forçoso que não deixe sair cá de dentro os meus desvarios de rapaz. Doideje o coração à sua vontade, contanto que só eu o saiba... Mas a luta é comigo e não com ela... Berta tem razão em perguntar o motivo da minha hostilidade. A minha hostilidade! Ah que se ela tivesse um olhar mais penetrante... Disso é que me receio... Não há que ver, hei-de preocupar tanto, tanto, tanto a minha cabeça com algarismos e negócios, que hei-de por força perder a consciência dos afectos, e é assim que hei-de matá-los.

Neste momento vencia Jorge o declive que levava à porta principal da Casa Mourisca. O caminho, desafrontado naquela altura de árvores e de sebes altas, subia à vista do casal de Tomé e permitia descobrir na encosta fronteira as veredas que para lá se conduziam.

Jorge desviou naturalmente a vista para aquele sítio.

Na varanda de entrada divisava-se ainda o vulto de Berta, na mesma posição em que a deixara.





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