- O que me deve! Então quer que lhe repita o que já lá dentro lhe disse? Eu sou que tenho a pedir perdão!
- Basta, Sr. Jorge, - atalhou Berta, tentando sorrir, mas raiando-lhe o sorriso por entre mal contidas lágrimas, como o sol no meio da chuva do Inverno. - Hoje não... mas... em outro dia... há-de dizer-me por que não é meu amigo.
Jorge estremeceu, e, olhando para ela, repetiu:
- Porque não sou seu amigo?! Que quer dizer, Berta?
- Oh! creia que há sinais que não enganam. Seja o que for, mas no seu pensamento há alguma coisa contra mim, Sr. Jorge. É pouco dissimulado, bem vê, não o pode disfarçar.
- Berta! mas que criancice! Pois que há-de haver contra si no meu pensamento?
- Não sei. Um dia mo dirá, não é verdade? É muito leal e muito generoso para não mo dizer. Bem vê que preciso sabê-lo para me emendar, porque... eu desejava que fosse meu amigo, Sr. Jorge. Todos o respeitam, todos falam na sua generosidade; espero que não a desmentirá comigo.
- Porém... - ia Jorge a objectar, quando Berta o interrompeu, dizendo:
- Agora não, agora não. Lembre-se só de que eu fico acreditando que será sincero comigo no dia em que eu o interrogar, e que decerto não se recusará então a falar-me com franqueza. Adeus, Sr. Jorge. Creia que desejava deveras que fosse tão meu amigo como é de meu pai.
E retirou-se depois de pronunciar estas palavras.
Jorge desceu vagarosamente as escadas, montou distraído o cavalo que o aguardava no quinteiro e deixou-lhe a rédea livre de maneira que o animal seguia a passo o caminho da casa, que por tanto tempo lhe dera abrigo, o caminho da Casa Mourisca.
Despercebidamente ia passando Jorge por todos os lugares intermédios. As palavras de Berta, animadas por aquela sentida comoção que a dominava ao falar-lhe, estavam-lhe ainda nos ouvidos, e nos olhos a imagem da gentil rapariga, em quem uma grave expressão de dor mais realçava a beleza.