Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 23: XXIII Pág. 326 / 519

Agradecido, Berta. A este meu coração são mais conhecidas as dores que o despedaçam e queimam do que estas que o desafogam em lágrimas. Agradecido, filha.

E o severo fidalgo da Casa Mourisca, sensibilizado, sem o menor vestígio da sua habitual rigidez, aproximou dos lábios a fronte de Berta e beijou-a com a doce afabilidade de um pai.

Berta beijava-lhe as mãos, chorando com ele.

Por muito tempo assim se entenderam mudos aquele velho e aquela rapariga, trazidos ali por uma mesma saudade, consagrando lágrimas a uma mesma recordação. D. Luís estava cada vez mais fascinado. Nem por a ideia lhe corria que fosse a filha de Tomé da Póvoa quem tinha na sua presença e quem abençoara e beijara.

Era a companheira de Beatriz, a encarregada pela alma daquele anjo de conservar no mundo a sua memória, de avivar as simpatias que ela inspirara na alma dos que a choravam ainda, e que a chorá-la morreriam.

As mãos de Berta não tinham profanado a harpa de Beatriz, tocando-a; nem ultrajara a sua memória a voz que cantava a balada favorita da infeliz menina.

D. Luís cedia à influência daquele brando carácter feminino, e adorava em Berta a imagem da filha que perdera.

Ambos se esqueciam do presente, falando dela. D. Luís mostrou a Berta todos os objectos que haviam pertencido à filha e que ele ali conservava ainda como relíquias sagradas.

A poucos olhos os revelaria assim, como fazia aos de Berta. Mas a quem conservava tão bem a memória de Beatriz não era sacrilégio o devassá-los.

- Ai, Berta, Berta, para que me quis mostrar Deus aquela alma na vida, se havia assim de roubar-ma? - exclamava D. Luís no decurso deste melancólico exame.

- Para lhe dar um anjo que o veja do Céu e vele pelo destino desta família, que ela tanto estremecera na terra.





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