Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 3: III Pág. 34 / 519

Não é vergonha um empréstimo, quando se faz em condições de poder por ele aliviar-se um homem de dívidas mais pesadas e de credores mal-intencionados, e resgastar e melhorar a propriedade. Há muito que a sua casa vive disso, mas a tais portas tem ido bater e tão mau uso tem feito do pouco e caro que obtinha, que em vez de se salvar, cada vez se perdia mais. Não fica mal um empréstimo, Sr. Jorge, quando se procura satisfazer com lealdade os compromissos que se ajustaram. Então não vê que até os governos pedem emprestado?

- Mas quando, como no meu caso, não há garantias a oferecer, o empréstimo é bem parecido com a esmola, deve confessar.

- Não há garantias? Quem foi que lhe disse isso? E a sua probidade? … Sabe que mais? Eu sempre lhe vou contar a minha história e verá depois se tenho razão no que digo.

E Tomé da Póvoa, conduzindo Jorge para a sombra da ramada que toldava a nora, na roda da qual se sentaram ambos, principiou:

- Quando saí da casa de seu pai, por esta vontade, às vezes bem doida, que a gente tem de trabalhar por sua conta, empreguei algum dinheiro, que juntara, em arrendar um casebre e uma horta, da qual, lidando do romper do dia até à noite, tirava, quando muito, o preciso para não morrer de fome. O menino sabe aquela nesga de campo que eu tenho ao pé dos açudes e o palheirito que fica ao lado?

- Bem sei.

- Pois foi essa a minha primeira casa. A Luísa, com quem por esse tempo casei, trabalhava tanto como eu, e assim íamos vivendo, sabe Deus como, mas pagando pontualmente o nosso aluguel e sem ficar a dever nada na tenda. O meu senhorio era um homem muito rico e muito de bem. Deus lhe fale na alma! O menino há-de ter ouvido falar dele: era o doutor Meneses, pessoa de muito saber e que tinha sido da Relação do Porto.





Os capítulos deste livro