Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 3: III Pág. 35 / 519

- Ainda tenho uma ideia de o ver.

- Não havia melhor senhorio; nada exigente com os caseiros, e até sempre pronto a ajudá-los. Um ano veio uma sequeira que matou toda a novidade. Foi uma coisa de fazer dó. Nem gota de água, as fontes secas, as levadas enxutas, os moinhos parados, e os lavradores a agarrarem as mãos na cabeça e a pedirem a Deus misericórdia! A coisa foi de maneira que, chegado o tempo de pagar a renda, poucos tinham com que a pagar.

- Sucedeu-lhe o mesmo a si? Está visto.

- A mim?! Eu nada colhi nesse ano; mas de maneira nenhuma queria faltar ao ajustado com o senhorio. Fui-me ao escaninho da caixa, tirei para fora uns cruzados novos que, a muito custo, pusera de lado para o caso de uma doença; mas não era coisa que chegasse. Como há-de ser, como não há-de ser, eis que a minha Luísa, que sempre foi boa companheira, me diz: «Não te aflijas, homem; aí vão as minhas arrecadas, pega», e atirou-mas para cima dos cruzados. Lá me custava o servir-me das arrecadas da rapariga, que era a única riqueza que ela tinha; mas não houve outro remédio. Pu-las em penhor, e com o dinheiro que me deram completei o aluguel, e no dia marcado apresentei-me em casa do doutor Meneses.

- E ele?

- Parece-me que ainda o estou a ver no seu quarto de estudo, com as pernas embrulhadas em uma manta e olhando-me por cima dos óculos: «Então o que o traz por cá, Tomé?» «Eu, Sr. doutor, venho para o que V. S.a sabe.» «Ah! Sim, estamos no S. Miguel. O ano pelos modos foi mau.» «Ora se foi! Mas, enfim, vamo-nos conformando com a vontade do Senhor. Outro virá melhor.» E fui-me chegando para a banca e tirei do bolso o dinheiro, que me pus a contar e a encastelar. O homem estava calado a ver aquilo. Quando cheguei ao fim, olhou para mim de uma certa maneira e disse-me: «Então está aí tudo?» «Está, sim, senhor, V.





Os capítulos deste livro