Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 30: XXX Pág. 423 / 519

- Pois é isso mesmo. E depois de a ouvir hesito.

- Duvidas de Berta, não é verdade? Receias que esses amores não lhe morram no coração e que um dia revivam como a lavareda quando se desfaz o monte de cinzas que a sufocava? Se assim é, se não tens no carácter de Berta a precisa confiança que devemos ter na mulher que escolhemos para companheira na vida, se não repousas cegamente nela, na sua lealdade, nas suas virtudes, então desiste, porque irias envenenar a tua vida com ciúmes e a dela com suspeitas injuriosas.

- Não desconfio de Berta; mas queria saber porque julga ela impossível esse amor que sente, para ver se a mim me pareceria também que o era. Quem sabe lá se o é? E se deixar de sê-lo por o motivo de hoje e o for por Berta ser minha mulher? Quem me podia curar deste desgosto?

- Sossega, Clemente, os motivos que hoje se dão dar-se-ão sempre - disse imprudentemente Jorge.

- Pois sabe quais são?! - perguntou Clemente admirado.

Jorge conheceu a indiscrição em que tinha caído, e procurou emendá-la, dizendo:

- Não; mas se Berta to assegurou... Ela não costuma ser irreflectida... E motivos há na vida tão poderosos e permanentes, que pode bem predizer-se na presença deles a impossibilidade de um facto.

- Eu sempre os queria conhecer, para julgar por mim.

Jorge replicou com impaciência:

- Julgar por ti! E quem te diz que saberias apreciá-los? Talvez os julgasses fáceis de vencer, não obstante eles serem insuperáveis. Acredita o que te digo, Clemente. Um homem só pode ser perfeito juiz das acções de um outro, quando entre ambos se dão absolutamente as mesmas condições de existência. Desde que estas variam, varia com elas a maneira de ver as coisas. O que para ti é um acto natural e fácil, é para mim um impossível, porque se lhe opõem opiniões, sentimentos, crenças que me são próprias, que fazem parte de mim mesmo, da minha entidade moral, e que tu não possuis e de que porventura te ris.





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