.. É verdade que pelos modos Maurício lhe arrastou a asa, como faz a todas, mas ela não lhe deu confiança; enquanto a Jorge... Jorge... Jorge...
De repente o filho da Ana do Vedor sentou-se de um salto na cama e murmurou já audivelmente:
- Jorge! Querem ver que...
E, sem bem saber o que fazia, acendeu a luz. Este movimento de instinto, pelo qual parece que queremos desfazer com a luz de fora as meias sombras que dentro de nós escurecem ainda uma ideia, é frequente nestas circunstâncias. Clemente permaneceu sentado no leito com a vista fixa e o queixo apoiado na mão.
E continuava murmurando:
- E porque não? E a mim que não me tinha ocorrido! É até o mais provável. E assim explica-se tudo... A maneira por que ele falou a primeira vez e ontem... Aquilo de sair da casa dos Bacelos, quando ela foi para lá... E a tristeza em que anda... Mas então... E porque é impossível? Ai, sim, o velho. Isso lá é verdade, quem falasse ao velho em tal, o que aí não iria!... Porém... morrendo o pai... já não havia tropeço... E aí ficava eu... É o que eu digo... É verdade que o rapaz tem lá uns modos de pensar!
Aqui bateu Clemente uma palmada no travesseiro, exclamando quase:
- E não é outra coisa! Agora é que eu explico tudo o que ele me disse... e ela também. É certo. Coitados! Se assim for... Mas é com certeza. Vou jurá-lo. Pois se não fosse... Ora se não é, é sem a menor dúvida. Eles gostam um do outro. Berta gosta de Jorge e o rapaz também gosta dela.
E, formulando esta conclusão, Clemente, com abstracção igual à do filósofo que, excitado pela alegria de uma descoberta, saiu como estava do banho a proclamá-la por toda a cidade, saltou da cama e começou a vestir-se com presteza sem reflectir no que fazia.
Já meio vestido foi que reparou que eram duas horas da noite e que portanto era aquele acto extemporâneo.