Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 32: XXXII Pág. 447 / 519

Tinha um compassivo coração a boa mulher e, como dissemos, era perdida por Jorge, a quem amava quase tanto como ao filho. Por isso tomou logo o partido dele, e exclamou:

- Mas então por que não há-de esse rapaz casar com a pequena, se gosta assim dela?

- E o pai?

- O velho? Isso lá é verdade. O fidalgo é perro, mas adeus, primeiro está o gosto de cada um, e, quando o amor é de raiz, tolice é querer arrancá-lo.

E depois de curta meditação, acrescentava:

- Mas vejam como o demónio as arma! aquele rapaz, que parecia nem querer pensar em que havia raparigas neste mundo, deixar-se logo embeiçar por aquela! por a filha do Tomé da Herdade, que, se o fidalgo o via por sogro de um filho seu, era para estoirar de paixão! Sempre é uma! Ó Clemente, pois deveras isso será assim?

- Quase que ia jurá-lo, minha mãe.

- Quem me dera encontrar o rapaz, que logo lho pergunto.

- Não diga isso, minha mãe. Ia fazê-la boa! Não conhece ainda o Jorge?

- Ora vem tu ensinar-me a conhecê-lo a mim, que o trouxe a estes peitos, que o ensinei a falar e a andar; vem cá dizer-me o que ele é. Então que achas tu? que ele se zanga comigo? E a mim que me há-de importar muito que ele se zangue. Mais me zango eu e veremos quem vence. Olha agora!

- Mas para que há-de ir falar-lhe nisso?

- Para quê? Pois então tu dizes-me que o rapaz anda a consumir-se e a moer lá consigo essa paixão, e queres que eu o deixe assim rebentar? Há lá nada pior do que uma pessoa calar consigo estas coisas que roem lá por dentro? Nada, a boca fez-se para falar e para a gente desabafar as suas melancolias.

- Mas se a mãe lhe pudesse dar remédio...

- E que cuidas tu? Pois parece-te que, se eu visse que o rapaz se me definhava por causa disto, que não tinha alma para ir ter com o fidalgo e dizer-lhe as coisas como elas são? Então já vejo que tu estás muito enganado com tua mãe.





Os capítulos deste livro