.. Lembra-me que, já em pequenino, se o pai ou a mãe lhe ralhavam, ficava aquela criança entalada e sem chorar, mas era sabido que o tinham doente por uma semana. Foi sempre assim. Brioso como uma pessoa de juízo. Agora é capaz de estalar de paixão e deixar-se morrer por aí sem se queixar. Pois, ao poder que eu possa, tal não há-de suceder. Isso lhe prometo eu.
Neste solilóquio foi vencendo a boa mulher a distância que a separava da Herdade, onde chegou na ocasião em que Tomé e a sua companheira examinavam e discutiam juntos na sala de jantar as vantagens da aquisição de um campo que o lavrador trazia em vista.
A Ana do Vedor foi recebida como quase parenta que era da família.
- Viva a ti’Ana! - exclamou folgadamente Tomé - a mais guapa das raparigas do meu tempo, sem querer fazer desfeita à Luísa.
- Lá se viu qual das duas ele escolheu - acudiu com igual humor a mãe de Clemente.
- Então que quer? tudo neste mundo é sorte. Além de que a ti’Ana já andava tentada com aquela alma lavada do João Vedor, e não se lhe dava volta.
- Foi o que te valeu, Luísa, senão bem perdias esta boa jóia.
Luísa sorriu bonacheironamente, como sempre fazia quando o marido gracejava.
- Mas que santa a trouxe a esta sua casa? - perguntou Tomé. - Olá, vamos cá a saber, quer tomar alguma coisa?
- Qual história! De almoçar venho eu, e isso mesmo sabe Deus o que me custou.
- Então andas doente, Ana? Informou-se Luísa com bondosa solicitude.
- Eu doente? Ora essa! Eu sou lá criatura que adoeça?!
- E como vai o Clemente? o nosso Clemente? - perguntou Tomé - porque eu e Luísa também já o podemos chamar nosso.
- Devagar, devagar, o melhor é não se acostumarem a isso, para não lhes custar depois a perder o costume.
- A perder o costume? E por que havemos nós de perder?
- Porque já lá vai o afilhado de quem éramos padrinhos.