- Pode ser.
- Está, digo-lhe eu, que bem conheço Jorge. Ele renunciou espontaneamente ao mais violento desejo do seu coração, julgando que seria empresa ao alcance das suas forças. O resultado está-se vendo. De dia para dia cresce nele o abatimento e as consequências não é difícil prevê-las. E diga-me se vale a pena sacrificar vidas tão preciosas e tão nobres e brilhantes projectos a um capricho aristocrático?
- Capricho?!
- Capricho, sim. Se invocar toda a sua filosofia, o tio Luís há-de reconhecer que não merece outro nome esse escrúpulo.
- Não será dever?
- Em que código lhe é imposto?
- No da nobreza.
- O dever de quem é nobre de origem é conservar-se pelas suas acções digno dela. Ora hoje, meu tio, que o mundo está quase todo descoberto e em que já passaram de moda as conquistas dos mouros e as guerras com os castelhanos, que melhor pode cumprir-se esse dever do que o faz Jorge, lutando nobremente para resgatar a sua casa e dando um grande e salutar exemplo, que oxalá fosse seguido? Ele sim, é quem continua as gloriosas tradições dos seus avós, e olhe que não será menos útil à pátria do que eles foram. Mas há um estímulo necessário para manter nele aquela actividade. Ele próprio ilude-se, julgando que pode prescindir desse estímulo. Não pode.
Esse esforço há-de sacrificá-lo. Agora veja o tio, em respeito a quem é somente feito o sacrifício, se não sentirá remorsos um dia por havê-lo consentido.