A nova espalhou-se em toda a casa e pôs todos em alvoroço. Em breve transpirou fora que o fidalgo da Casa Mourisca já se despedira dos filhos, e que em poucas horas seria com Deus.
À casa de Tomé e da Ana do Vedor chegou a notícia que trouxe até os Bacelos esses antigos comensais da família cujo representante actual chegava à hora mais solene da vida. A boa Luísa acompanhou o marido no intento de oferecer os seus serviços naqueles momentos de dor e confusão.
Jorge entrou comovido e pálido no quarto do pai, onde ninguém mais o seguiu.
O pobre rapaz ia preparado para uma cena dilacerante; esperava assistir à agonia do velho.
Tremiam-lhe as pernas ao aproximar-se do leito.
D. Luís percebendo-o chegar, dirigiu-se-lhe com voz débil mas firme:
- És tu, Jorge?
- Sou eu, meu pai.
- Chega-te mais para aqui. Assim.
E, fitando o filho com o olhar ainda cheio de expressão e vida, continuou depois de um demorado silêncio:
- Jorge, tu não és feliz.
Jorge olhou para o pai, espantado pela inesperada observação que lhe ouvia.
- Tens uma nobre alma, tomaste sobre os ombros uma pesada tarefa, dedicaste ao cumprimento dela a tua vida inteira e, como se isso não fosse bastante, sacrificaste-lhe ainda os teus mais ardentes afectos. Jorge, não será o sacrifício superior às tuas forças?
Jorge baixou a cabeça sem responder.
A estranheza causada pelas palavras do pai, tão diferentes das que esperava, perturbava-o a ponto de não saber o que dissesse.
- Fala, Jorge - prosseguiu o velho. - Vá, nunca viste em mim um confidente, porque o meu carácter sério e reservado afugentava as tuas expansões de criança; mas a doença quebrou-me e hoje posso escutar-te.