- Por muito doloroso que seja para mim o sacrifício de que fala, meu pai, talvez seja mais ainda para si o que empreende, querendo dispensar-me dele. Creia, senhor, que eu não discuto a legitimidade das suas opiniões, respeito-as; e a satisfação íntima que me virá da consciência de as ter respeitado será também para mim uma poderosa compensação.
- E a ela? Quem a compensará? - perguntou D. Luís, com inflexão de dor.
- A ela? É de Berta que fala? Se eu não soubesse que aquela alma nobre e forte está à altura do sacrifício, talvez me falecesse a coragem para tentá-lo.
- É uma nobre alma deveras - tornou D. Luís, como falando para si. - E quem a apreciará? A que destino a condenaremos se a expulsarmos das regiões para onde os seus nobres instintos a chamam? Pobre dela! E tu, tu que a amas, tens a certeza de poderes levar ao fim o sacrifício? Não é certo que a tua saúde já se tem ressentido do esforço que fazes? Vê bem, Jorge! Na tua idade os afectos são mais violentos do que na minha. E contudo eu próprio quero já tanto a essa rapariga, que sinto que estes restos de vida que ainda possuo devo-os à sua presença. O que será contigo?
Jorge nunca previra a situação em que se achava. Havia imaginado a possibilidade de ser levado pela força da sua paixão a uma luta aberta com os preconceitos paternos, e esforçara-se por evitar essa temerosa crise. Esta era a menos provável hipótese que antevira. Mas que fosse o pai quem advogasse a causa do seu coração de rapaz contra as inflexíveis exigências da orgulhosa classe a que pertencia, nunca o pudera supor, pois que não tinha seguido passo a passo as transformações que haviam operado no carácter varonil daquele velho a acção combinada da doença e dos carinhos de Berta.