Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 37: XXXVII Pág. 507 / 519

condescendência do homem que ele julgava incapaz de transigir com tais ideias, em vez de deixar-se penetrar da alegria que este sucesso parecia dever inspirar-lhe, disse com mal sustentada serenidade:

- Por muito doloroso que seja para mim o sacrifício de que fala, meu pai, talvez seja mais ainda para si o que empreende, querendo dispensar-me dele. Creia, senhor, que eu não discuto a legitimidade das suas opiniões, respeito-as; e a satisfação íntima que me virá da consciência de as ter respeitado será também para mim uma poderosa compensação.

- E a ela? Quem a compensará? - perguntou D. Luís, com inflexão de dor.

- A ela? É de Berta que fala? Se eu não soubesse que aquela alma nobre e forte está à altura do sacrifício, talvez me falecesse a coragem para tentá-lo.

- É uma nobre alma deveras - tornou D. Luís, como falando para si. - E quem a apreciará? A que destino a condenaremos se a expulsarmos das regiões para onde os seus nobres instintos a chamam? Pobre dela! E tu, tu que a amas, tens a certeza de poderes levar ao fim o sacrifício? Não é certo que a tua saúde já se tem ressentido do esforço que fazes? Vê bem, Jorge! Na tua idade os afectos são mais violentos do que na minha. E contudo eu próprio quero já tanto a essa rapariga, que sinto que estes restos de vida que ainda possuo devo-os à sua presença. O que será contigo?

Jorge nunca previra a situação em que se achava. Havia imaginado a possibilidade de ser levado pela força da sua paixão a uma luta aberta com os preconceitos paternos, e esforçara-se por evitar essa temerosa crise. Esta era a menos provável hipótese que antevira. Mas que fosse o pai quem advogasse a causa do seu coração de rapaz contra as inflexíveis exigências da orgulhosa classe a que pertencia, nunca o pudera supor, pois que não tinha seguido passo a passo as transformações que haviam operado no carácter varonil daquele velho a acção combinada da doença e dos carinhos de Berta.





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