- Seria para Berta pior tormento magoá-lo, meu pai. Sei-o da boca dela. Nunca aceitaria o seu sacrifício.
D. Luís fechou por momentos os olhos, como para concentrar o espírito; depois disse quase a medo:
- Sacrifício! Maior sacrifício seria o meu se renunciasse a tê-la junto de mim e a chamar-lhe filha. Não sei mesmo se para tanto me restam ainda forças. Eu já não sou o homem forte que fui, Jorge. Quase mereço compaixão.
Jorge estremeceu ao ouvir estas palavras. Como que ralou uma súbita claridade no seu espírito.
- Que quer dizer, meu pai? Pois não é por meu respeito que insiste...
- Queres obrigar-me a confessar toda a minha fraqueza, Jorge? Pois bem, confessarei. Fazendo a tua felicidade, farás também a minha. O lugar de tua irmã só pode ser ocupado por Berta. Outra qualquer profaná-lo-ia.
Jorge desta vez não o deixou concluir. Cedendo à paixão que enfim se expandia, pegou nas mãos descarnadas do pai e, levando-as calorosamente aos lábios, exclamou:
- Oh! obrigado, meu pai. É Deus que o inspira; é o espírito de minha irmã que o aconselha. Obrigado. Agora sim, desanuvia-se-me o horizonte, e creio, creio deveras na felicidade. Triunfo! Obrigado.
E, beijando-lhe mais uma vez a mão, correu para a porta chamando Berta.
Toda a família e os amigos que tinham vindo para os Bacelos, ao saberem do estado do velho fidalgo, achavam-se na sala imediata, aguardando ansiosos o termo da conferência entre o pai e o filho e porventura o triste desenlace que havia muito se esperava.
Quando se ouviu a voz de Jorge, todos julgaram que se havia realizado, enfim, o acontecimento que se receava, e correram para a porta.
Jorge, quase desorientado, foi ao encontro de Berta e, conduzindo-a à cabeceira do leito do doente, disse sufocado de contentamento:
- Berta, o nosso sacrifício é inútil.