Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 6 / 519

Trouxe consigo um enxame de misantropos, a quem o sol da liberdade igualmente incomodava, e que tinham resolvido pedir à natureza conforto contra os supostos delitos da humanidade.

O solar do fidalgo transformou-se, pois, em asilo de muitos correligionários, como ele desgostosos e irreconciliáveis com a nova organização social.

Instituiu-se ali uma pequena corte na aldeia, uma espécie de assembleia ou conventículo político, que não poucas vezes atraiu as vistas dos liberais desconfiados e as ameaças dos mais insofridos. Havia ali homens de todas as condições, e alguns de ilustração e ciência.

A hospitalidade do fidalgo era magnífica. D. Luís mostrava ignorar, ou não querer saber, qual o preço por que ela lhe ficava. Indiferente a tudo, dir-se-ia sê-lo também à ruína da sua própria casa, que apressava assim.

A vitória da causa contrária; a morte, em curtos intervalos, de três filhos, que parecia caírem vítimas de uma sentença fatal; o receio pela vida dos outros; a tristeza e doença progressivas da esposa, a quem aqueles ódios e lutas tinham despedaçado o coração; às vezes uma vaga consciência da sua situação precária, e porventura ainda remorsos pelas violências a que os ódios políticos o impeliram, quebrantaram o carácter, outrora varonil, daquele homem que desde então começou a mostrar-se taciturno e descoroçoado. A prova evidente de que alguns remorsos também lhe torturavam o espírito fora a insólita generosidade com que recebeu e gasalhou permanentemente em sua casa um pobre soldado do exército liberal, meio mutilado pela guerra desses tempos, e que tinha sido o fiel camarada do infeliz mancebo, contra quem tanto se encarniçara o ódio do implacável realista.

Viera o soldado entregar à esposa do fidalgo uma medalha, última lembrança do irmão, que lha enviara quando já agonizante no campo do combate.





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