Tomo os apontamentos precisos, mas lá de parlapatices e espalhafatos é que nunca fui.
- Bem; amanhã examinaremos esses apontamentos; boa noite, frei Januário - concluiu Jorge.
- Sr. frei Januário, muito boa noite - secundou zombateiramente Maurício.
- Ide com Nossa Senhora - respondeu o padre irritado.
Os dois rapazes saíram, rindo dos amuos do egresso.
Este ficou só, e encetando um habitual complemento da sua substanciosa ceia, ia resmungando:
- Forte pancada a desta gente! Olhem agora o criançola… E como ele fala?! Parece já um senhor que todo lo manda! Os livros! Era o que me faltava! era ter livros para assentar contas com rendeiros e dívidas da casa. Bem digo eu! Mas deixa estar que eu curo-o da mania de meter o nariz nestas coisas. Dou-lhe uma esfrega amanhã. Em ele vendo como a casa está embrulhada, perde logo o furor com que está de a administrar. Sempre lhe hei-de fazer uma tal barafunda de papelada, que o rapazinho há-de ir dizer ao papá que não quer saber de contas. Ora deixa estar! Muito me hei-de rir. Quando ele principiar a ver o sarilho em que isto tudo está metido, que nem eu sei já como sair dele, então é que há-de dar vivas, e gritar «aqui-d’el-rei». Ora deixa estar.
E o padre ria, ria de boa feição, ao pensar no logro que havia de pregar a Jorge, ria e comia o bom do homem, que era um gosto vê-lo.
Depois foi deitar-se, e o sono de uma certa classe de bem-aventurados baixou-lhe sobre as pálpebras, suave e restaurador.
Jorge não dormiu, como o padre; velou até alta noite, lendo, calculando, combinando planos económicos. Maurício também dormiu pouco; pensou igualmente no futuro, na revolução que ia operar-se na sua vida, mas de um modo vago, sem ter ainda um plano formado, nem trabalhar para isso.