Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 9: IX Pág. 104 / 519

Há fora um silêncio que amedronta, uma escura vastidão que apavora, silêncio que às vezes interrompe o rastejar furtivo de um réptil, o cair de uma folha e não sei que outros ruídos vagos; escuridão onde parece distinguir-se o movimento de umas formas estranhas e monstruosas.

Se vos demorais silenciosos nessa contemplação por algum tempo, já não a interrompereis por uma palavra, por um movimento, sem que essa interrupção vos sobressalte ou intimide quase. Estremecereis ao ouvir-vos no meio daquele silêncio. Instintivamente fala-se baixo. Parece que aquela paz, que aquela quietação, que aquela treva nos absorve, que nos domina, que nos atrai e que de alguma maneira nos faz parte integrante de si mesma.

Opera-se em nós uma quase magnetização. Adormece a sensibilidade que nos revela o mundo exterior; exalta-se o espírito; e o ruído que nos acorda deste sonho faz-nos estremecer. E o que se pensa calado nesses momentos, Santo Deus! Como a imaginação vagueia, como parece que daquelas confusas sombras que temos diante de nós nos surgem as memórias do passado e vêm, em silencioso voo, adejar sobre as nossas cabeças e estontear-nos com as suas rápidas e vertiginosas voltas!

O passado de Berta era uma singela história dos mais inocentes afectos. Não havia nela a intensa luz dos amores, apenas o débil clarão da aurora que os precede, essa misteriosa vibração de alma que sente nascer em si faculdades novas.

Eram pois imagens aprazíveis as que naquele momento lhe apareciam.

Entre elas a mais persistente era a da sua pobre amiga Beatriz, a delicada criança que parecia ter vivido somente para semear de saudades o coração de quantos a conheceram.

Reviviam para Berta naquela hora todas as cenas de infância passadas com ela; os jogos, os folgares e até as lágrimas choradas em comum.





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