Os fidalgos do Cruzeiro viviam ainda à moda antiga, como senhores feudais da terra, desconhecendo direitos de propriedade e calcando aos pés dos seus cavalos todos os códigos com que tentassem conter-lhes os ímpetos nobiliários.
Eram três estes nobres senhores.
Um, morgado e... morgado às direitas; outro, doutor... por ter andado dez anos em Coimbra para deixar incompleto um curso de cinco; o terceiro, abade, escorraçado pelo povo de uma freguesia que fora mandado paroquiar; ligavam-se todos três, em temível triunvirato, para invadirem as propriedades, esgotarem as tabernas, insultarem as mulheres e espancarem os homens daqueles sítios.
O povo, ou por hábito legado de submissão, os deixava à vontade, contentando-se com praguejá-los pela calada, desforço dos oprimidos em todas as épocas da história da humanidade, ou, exasperado e descrendo da eficácia da lei, recorria à defesa própria, e procurava manter em respeito esses turbulentos vadios, que mais de uma vez saíram malferidos da refrega.
Jorge afastara-se cada vez mais da companhia dos primos, cujos asselvajados hábitos lhe repugnavam; Maurício frequentava-os ainda, e era de facto a companhia deles que às vezes o impelia a passos repreensíveis.
Clemente vinha agitado quando entrou em casa aquela manhã. Era evidente que o regedor os tinha encontrado em uma das colisões a que a vida pública o sujeitava.
A mãe, logo que lhe lançou os olhos ao rosto contraído e levemente purpureado, conheceu que tinha havido novidade e interpelou-o:
- Que tiveste tu lá por fora, Clemente? Essa cara não é de quem vem satisfeito com a sua vida.