Depois de ter esperado um pouco, perguntei: 'E então, que aconteceu?' Pergunta inútil. Eu sabia já de mais para poder esperar a graça de uma única prova de elevação moral, o favor de uma sugestão de loucura, de um horror mitigado. 'Nada', disse ele. 'Eu falava a sério, eles só queriam barulho. Nada aconteceu.'
«E o sol nascente encontrara-o exactamente no mesmo sítio para onde tinha saltado, à proa do salva-vidas. Que obstinação em estar preparado! Passara toda a noite agarrado à cana do leme. Este, tinham-no deixado cair ao mar ao quererem montá-lo e a cana devia ter sido empurrada pelos pés, para a frente, quando andavam a correr para diante e para trás do salva-vidas a tentar por todas as maneiras afastá-lo do barco rapidamente. Era um bocado de madeira rija comprido e pesado, e, pelos vistos, ele passara agarrado a ele qualquer coisa como seis horas. É o que se chama estar preparado! Imaginem-no silencioso, de pé, durante uma grande parte da noite, com a face exposta às bátegas de chuva, a fixar formas sombrias, a vigiar movimentos indistintos, a apurar o ouvido para captar raros murmúrios, aos bancos de trás! Constância na coragem ou medo? Que lhes parece? O seu poder de resistência em todo o caso, é inegável. À volta de seis horas da defensiva; seis horas de imobilidade vigilante, enquanto o salva-vidas avançava ou flutuava parado, de acordo com os caprichos do vento; enquanto o mar, acalmado, adormecera finalmente; enquanto as nuvens passavam por cima da sua cabeça; enquanto o céu, de uma imensidade negra sem brilho, se reduziu a uma abóbada sombria, e depois brilhante, cintilou com maior brilho ainda, desmaiou a leste, empalideceu no zénite; enquanto as formas sombrias que maculavam as estrelas, muito baixas à ré, começaram a ter contornos e relevo, se transformaram em ombros, cabeças, rostos, feições - e o enfrentaram com olhares lúgubres, cabelos desgrenhados, roupas esfarrapadas, olhos de pálpebras vermelhas a pestanejar, na madurada branca.