Lord Jim - Cap. 3: Capitulo II Pág. 17 / 434

tinham reunido oitocentos homens e mulheres com a sua carga de fé e de esperança, de afectos e recordações, vindos do Norte e do Sul e dos limites do Oriente, depois de terem calcorreado os caminhos da selva, de terem descido os rios, costeado os baixios a bordo de praus (tipo de embarcação malaia), atravessado de ilha para ilha em canoas, passado através do sofrimento, encontrado singulares visões, cercados por perigos estranhos, sustentados por um só desejo. Tinham vindo de cabanas solitárias em lugares ermos, de populosos acampamentos, de aldeias à beira-mar. Para responder ao apelo de uma ideia, haviam abandonado as suas florestas, as suas clareiras, a protecção das suas leis, a sua prosperidade, a sua pobreza, os lugares da sua juventude e os túmulos dos seus antepassados. Tinham vindo cobertos de pó, de suor, de trapos, imundos - os homens na força da vida à testa de famílias inteiras, os velhos enfraquecidos, avançando apressados sem esperança de regresso; rapazes novos de olhar intrépido, cheio de curiosidade, tímidas rapariguinhas assustadas com longos cabelos soltos; mulheres recatadas embuçadas e apertando contra o seio bebés adormecidos, envoltos em pontas esfarrapadas sujas de lenços de cabeça, peregrinos inconscientes de uma crença exigente.

«Olhe-me para este gado», disse o capitão alemão para o seu novo imediato.

O último a entrar foi um árabe, o chefe desta piedosa viagem. Embarcou com passo lento, elegante e digno nas suas roupagens brancas, com o seu grande turbante. Seguiam-no uma fila de criados, carregados com as suas bagagens; o Patna lançou uma baforada de vapor e começou a recuar para se afastar do cais.

Rumo à passagem entre duas pequenas ilhotas, o navio cruzou obliquamente o ancoradouro dos veleiros, descreveu um arco de círculo à sombra de uma colina e depois navegou rente à saliência formada por bancos de areia contra os quais o mar espumejava.





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