Capítulo 6: Capítulo V
Página 46
Tirem-ma. Não preciso de carta-patente. Um homem como eu não precisa da vossa veifluchtel carta-patente. Cuspo-lhe em cima.' E cuspiu. 'Vou naturalizar-me cidadão americano', gritou, agitado e colérico, a bater com os pés, como se quisesse libertar os tornozelos de uma garra invisível e misteriosa que o não deixasse sair daquele sítio. Estava de tal maneira a ferver que o cocoruto da cabeça positivamente lhe fumegava. Nada de misterioso me impedia de partir; a curiosidade é o mais óbvio dos sentimentos e era ela que me retinha ali para observar o efeito desta informação completa sobre aquele jovem que, com as mãos nos bolsos e de costas voltadas para o passeio, fitava o pórtico amarelo do Hotel Malabar, através do relvado da esplanada, com o ar de um homem que está à espera que um amigo esteja pronto para ir dar um passeio. E este ar era odioso. Eu esperava vê-lo esmagado, coberto de vergonha, traspassado de lado a lado, a contorcer-se como uma barata, e estava também meio assustado de o ver assim - compreendem, não compreendem, o que quero dizer? Não há nada mais medonho do que observar um homem que foi descoberto não a cometer um crime, mas a cair numa fraqueza mais do que criminosa. A fortaleza vulgar, que toda a gente mais ou menos possui, impede-nos de nos tornarmos criminosos, no sentido legal da palavra; é de uma fraqueza desconhecida, mas talvez suspeitada, como em certas partes do mundo se suspeita da presença de uma víbora venenosa em cada arbusto - de uma fraqueza que pode permanecer escondida, observada ou não, contra a qual se invoca um socorro sobrenatural ou se despreza, virilmente reprimida ou talvez ignorada durante mais de metade da vida, é dessa fraqueza que nenhum de nós está livre. Nós somos induzidos a fazer coisas pelas quais nos chamam nomes e a fazer coisas que nos levam à forca, e contudo o espírito pode muito bem sobreviver - sobreviver às condenações, sobreviver ao laço que apertou o pescoço, caramba! E há coisas - que parecem por vezes também muito pequenas - pelas quais alguns de nos somos completa e totalmente aniquilados.
|
|
 |
Páginas: 434
|
|
|
|
|
|
Os capítulos deste livro:
|
|
|