Lord Jim - Cap. 18: Capítulo XVII Pág. 192 / 434

Não pretendo fazer mais.' Abanou a cabeça, incrédulo, sem olhar para mim. Começava a sentir calor. 'Posso, com certeza', insisti. 'Posso até fazer mais. Estou a fazer mais do que isso, estou a testemunhar-lhe a minha confiança... ' 'O dinheiro... ', começou. 'Palavra de honra, você merece que o mande para o Diabo!', gritei a forçar a nota da indignação. Ficou surpreendido, sorriu, e eu aproveitei para insistir a fundo. 'Não é de maneira nenhuma uma questão de dinheiro. Você é muito superficial', disse eu (e ao mesmo tempo pensava: toma lá! E talvez ele seja superficial no fundo). 'Olhe esta carta que lhe vou dar. Escrevi a um homem a quem nunca pedi um favor e escrevo-lhe sobre si nos termos que só emprego para falar de um amigo íntimo. Respondo por si sem reserva. É isto o que estou a fazer por si, e se realmente se der ao trabalho de reflectir no que significa... '

«Levantou a cabeça. A chuva cessara; apenas o cano roto continuava a chorar com um ruído absurdo, drip, drip, fora da janela. No quarto havia uma grande calma, com as sombras agrupadas nos cantos, longe da chama imóvel da vela, que subia muito direita em forma de punhal: um momento depois o seu rosto parecia banhado pelo reflexo de uma luz suave como a da aurora.

«'Caramba!', disse ofegante. 'Que formidável da sua parte!'

«Se se tivesse posto a deitar-me a língua de fora para troçar de mim, não me sentira mais humilhado. Pensei para comigo: é-me bem feito, para não me meter onde não sou chamado... Os seus olhos brilhavam ao olhar-me, mas percebi que não era o brilho da troça. De repente começou a mover-se com uma agitação semelhante à de um boneco movido por um cordel. Levantou os braços, que ao caírem deram uma palmada. Transformara-se completamente noutro homem.





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