Lord Jim - Cap. 9: Capítulo VIII Pág. 102 / 434

Parece que no meio da sua atrapalhação tinham conseguido bloquear, não se sabe como, o perno do peão dianteiro, e imediatamente perderam por completo a cabeça diante da natureza implacável desse desastre. Devia ter sido um bonito espectáculo a actividade feroz daqueles patifes, a labutar num barco imóvel que flutuava calmamente no meio do silêncio de um mundo adormecido, a lutar contra o tempo para libertar o salva-vidas, a rastejar de gatas, erguidos, de pé, desesperados, a puxar, a empurrar, a rosnar uns contra os outros com rancor, prontos a matar, prontos a chorar, e impedidos de se lançarem as mãos ao pescoço uns dos outros pelo medo da morte presente detrás deles silenciosa como um capataz inflexível e inexorável. Oh, sim! Devia ter sido um belo espectáculo. Viu-o e falava dele com amargura e desprezo; eu concluí que tinha dele um conhecimento minucioso por meio de um sexto sentido, pois jurou-me que ficara todo o tempo afastado sem um só olhar para eles ou para o salva-vidas sem um só olhar. E acredito-o. Creio que devia estar demasiado ocupado a contemplar a inclinação ameaçadora do barco, a ameaça suspensa, descoberta no meio da mais perfeita segurança - fascinado pela espada pendurada por um fio sobre a sua cabeça tão imaginativa.

«Nada, absolutamente nada, se mexia diante dos seus olhos, e ele podia representar-se sem dificuldade o repentino alçar-se da linha sombria do horizonte, o súbito virar do vasto plano do mar, a subida veloz, silenciosa o salto brutal, o abraço do abismo, a luta sem esperança, a luz das estrelas fechando-se para sempre sobre a sua cabeça como uma pedra tumulara revolta da sua carne jovem... o negro fim. Via tudo isto em imaginação! Caramba! Quem não o veria? E devem lembrar-se de que ele era um artista acabado nessa especialidade, era um pobre diabo dotado da faculdade de prever.





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