Lord Jim - Cap. 10: Capítulo IX Pág. 116 / 434

«'Tombou para o lado muito devagarinho, e foi isto a última coisa que me lembro de ter visto abordo', continuou ele. 'Não me importei com o que ele ia fazer. Parecia que ia recuperar os sentidos; está claro que eu pensei que ele ia recuperar os sentidos: estava à espera de o ver passar à minha frente como um raio, saltar a amurada e deixar-se cair no salva-vidas como os outros tinham feito. Eu ouvia-os lá em baixo andar aos empurrões e uma voz que parecia sair de um poço chamou: «Ceorge.» Então ouviu-se o berro de três vozes distintas. Chegaram separadas aos meus ouvidos: uma choramingava, outra guinchava, outra uivava.

Estremeceu ligeiramente e vi-o erguer-se lento, como se uma mão de ferro o puxasse de cima pelos cabelos para o levantar da cadeira. Fazia-o devagar, a toda a altura, e quando atingiu uma posição perfeitamente rígida a mão abandonou-o e ele oscilou, pouco firme nas pernas. Havia na expressão do seu rosto, nos seus movimentos, na sua própria voz, a sugestão de uma tremenda tranquilidade quando disse: 'Eles gritaram' - e involuntariamente apurei o ouvido para o eco desse grito que se podia ouvir claramente através do silêncio criado. 'Havia oitocentas pessoas a bordo desse barco', disse ele, pregando-me às costas da cadeira com um terrível olhar vazio. 'Oitocentas pessoas vivas, e eles estavam a berrar pelo único morto, para que descesse e se salvasse. «Salta, George! Salta! Oh, salta!» Eu permanecia de pé, com a mão sobre o turco do salva-vidas. Estava muito calmo. A escuridão tornara-se completa. Não se via nem o céu, nem o mar. Ouvi o salva-vidas ao lado do barco a bater, pum, pum, e nenhum outro ruído veio de lá durante um momento, mas o barco, sob os meus pés, estava cheio de rumores de conversas.





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