Lord Jim - Cap. 13: Capítulo XII Pág. 145 / 434

O relatório do seu comandante foi largamente divulgado. Ele saíra um pouco da sua rota para ir verificar o que se passava com aquele barco a flutuar perigosamente com a proa debaixo de água num mar calmo e enevoado. Uma bandeira nacional invertida, em sinal de perigo, estava desfraldada ao vento na carangueja (o chefe dos lascares tinha sensatamente posto aquele sinal logo que amanheceu); os cozinheiros, no entanto, preparavam a comida nas cozinhas que ficavam à frente, como de costume. Os convés estavam apinhados como um redil: havia gente empoleirada ao longo das grades, comprimida na ponte, numa massa sólida; centenas de olhos arregalados e nem um som se ouvia quando a canhoneira se colocou em frente, como se toda aquela multidão tivesse os lábios selados por uma força mágica.

«O francês chamou, não obteve uma resposta compreensível e, depois de se certificar com o binóculo de que aquela gente não tinha aspecto de estar atacada de peste, mandou um escaler com dois oficiais, que ouviram as explicações do chefe dos lascares, tentaram falar com o chefe árabe e não conseguiram perceber nada: mas era óbvio que o caso requeria urgência. Ficaram também muito impressionados com o facto de terem encontrado um homem branco morto pacificamente enrolado sobre si próprio, na ponte. 'Fort intrigués par ce cadavre', como me disse muito tempo depois um velho tenente francês que encontrei uma tarde em Sidney, absolutamente por acaso, numa espécie de café, e que se lembrava perfeitamente da história. Na realidade, este acontecimento, diga-se de passagem, teve um pode: extraordinário; desafiou a fugacidade da memória dos homens e o passar do tempo: parecia viver com uma espécie de vitalidade sinistra na mente e na boca dos homens.





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